Os bancos se preparam para uma competição ainda mais acirrada no crédito imobiliário em 2020. O ano que está para acabar representou uma amostra do aumento da concorrência no mercado, alimentada tanto pela retomada da economia quanto pela longevidade dos juros baixos.
Um dos termômetros desse aquecimento é a portabilidade do crédito imobiliário. Os dados do Banco Central mostram que, no caso dos financiamentos no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que concentra o maior número de operações, o volume das transferências de contrato de uma instituição para outra subiu mais de cinco vezes em um ano, entre outubro de 2018 e o mesmo mês deste ano.
Os números do BC apontam um salto nessas operações: de R$ 29,5 milhões portados no décimo mês de 2018 para R$ 168,3 milhões em outubro de 2019. Em todo o ano de 2018, houve transferências de R$ 271,8 milhões. Neste ano até outubro, a portabilidade de crédito imobiliário já alcança volume de R$ 610 milhões.
“A concorrência está aumentado e tem muita busca por portabilidade, os bancos estão brigando por portabilidade”, afirma o fundador do site especializado em crédito imobiliário Melhortaxa, Rafael Sasso. Conforme o executivo, embora a maior parte dos cortes da taxa Selic já tenha sido repassada pelos bancos para suas linhas de financiamento habitacional, o aumento de competição e o aquecimento do mercado imobiliário devem pressionar por mais reduções. “As taxas vão cair mais conforme a demanda cresça e a concorrência fique mais acirrada.”
Uma análise da quantidade de solicitações de portabilidade e das operações realmente efetivadas sugere que os bancos estão dispostos a brigar pelos clientes. Neste ano até outubro, o número de pedidos alcançou 7,7 mil, mas apenas 29%, ou seja, 2,3 mil foram realizados, segundo o BC. “As solicitação são muito maiores do que as efetivações, porque, em muitos casos, o próprio banco cobriu [a oferta rival]”, avalia Sasso.
O presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, deixa bem clara a intenção de sustentar a liderança nas concessões de financiamentos habitacionais recém-recuperada. “Quando assumi [o banco] estávamos em terceiro lugar e não éramos mais líder há algum tempo na taxa SBPE [com recursos da poupança]”, afirma. “A sensibilidade é que não estávamos oferecendo produtos que o mercado demandava e taxas que refletiam a melhora da economia.”
Em 2018, em novas concessões de crédito para aquisições, a Caixa ficou em quarto lugar com um volume de R$ 9,1 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). Quem liderou o ranking no ano passado foi o Bradesco, com produção de R$ 10,8 bilhões, seguido por Itaú Unibanco, que originou R$ 9,9 bilhões, e Santander, com R$ 9,1 bilhões. O Banco do Brasil ocupou a quinta colocação, com R$ 4,6 bilhões.
“Nós crescemos algo como 120% em termos de originação entre o início e o fim do ano, isso em crédito com funding de poupança”, diz o presidente da Caixa. As estatísticas Abecip mostram que o banco retomou a dianteira nas concessões a partir de março deste ano, quando originou R$ 1,3 bilhão ante R$ 916 milhões do Itaú.
Entre janeiro e outubro de 2019, a Caixa lidera com R$ 13,8 bilhões em concessões. O Bradesco caiu para segundo, com R$ 10,7 bilhões, seguido de perto por Itaú, que tem quase os mesmos R$ 10,7 bilhões. O Santander originou R$ 8,7 bilhões no período e o BB, R$ 2,6 bilhões, segundo a Abecip.
Melhor que o esperado
“Este ano veio melhor do que a gente havia previsto”, afirma Cristiane Portella, diretora do Itaú Unibanco e presidente eleita da Abecip. O mercado de financiamento para aquisição de imóveis cresceu 30% em volume financeiro entre janeiro e outubro comparado ao mesmo período de 2018. “No fim do ano passado, estimávamos crescimento de 20%”, pondera.
Cristiane sugere que, diante do cenário de aceleração econômica, melhora das condições de emprego, retomada do ciclo imobiliário e baixo custo do crédito para aquisições, o próximo ano pode ser ainda mais forte. “Para 2020 a gente estima que, pelo menos, se repita o crescimento de 2019, mas pode ser melhor”, afirma.
Em um cenário macroeconômico mais positivo e de maior interesse dos bancos, “acredito que possa haver alguma redução [de taxas finais] para frente, mas não da mesma magnitude” da ocorrido recentemente, avalia a diretora do Itaú. Conforme Cristiane, os bancos tendem a ser cautelosos em baixar as taxas mais do que 7% ao ano.
“O mercado trabalha, principalmente, com um ‘funding’ de poupança para operações de longo prazo. Em uma eventual volta da Selic para a faixa de 8,5% ao ano, a caderneta volta a render 6% ao ano mais TR e, por isso, temos de prever esse movimento”, explica.
A Caixa tem liderado o movimento de redução das taxas desde o início do ciclo de queda da Selic. No último corte, o banco estatal baixou o juro mínimo da linha para 6,5% logo após a decisão do BC que levou a taxa básica para 4,5% ao ano neste mês.
Embora apenas o BB tenha seguido a Caixa nessa última diminuição, reduzindo a taxa para 7,20%, ante 7,40%, Guimarães acredita que os concorrentes, mais cedo ou mais tarde, vão ter de seguir a estatal. “Acredito que os bancos [privados] vão seguir o movimento da Caixa, senão vão perder competitividade”, afirma. Na visão do presidente, pode aparecer ao longo do próximo ano espaço para reduções pontuais nas taxas finais. “Se a curva a termo continuar caindo tem espaço para reduzir mais”, diz.
De acordo com Paulo Duailibi, superintendente executivo de negócios imobiliários do Santander, a possibilidade de as instituições reduzirem mais as taxas para o consumidor vai depender do movimento da curva de juros de longo prazo. “Minha leitura é que já está dentro dos preços atuais [do financiamento habitacional]. Esses preços atuais praticados pelo mercado foram desenhados dentro da leitura de curva de longo prazo, que já precificava uma Selic a 4,5% ao ano.”
Nova linha
Uma das apostas para 2020 — por enquanto restrita aos bancos estatais e instituições de menor porte — é a nova linha de crédito imobiliário com IPCA, que foi regulamentada pelo BC em agosto deste ano. Na modalidade, há a substituição de correção da TR pelo índice de inflação.
O primeiro banco a oferecer empréstimo do gênero foi a Caixa. De acordo com o presidente da instituição, desde o início das concessões, no fim de agosto, até o momento, o banco já originou R$ 4,4 bilhões em mais de 20 mil contratos. “Nosso objetivo é, a partir de março, securitizar pelo menos 50% dessa carteira, já com seis meses de histórico”, afirma Guimarães. “Mas dá para securitizar até 100%”, acrescenta.
De acordo com o executivo-chefe financeiro do Banco Bari, Evaldo Perussolo, que oferece crédito tanto com IPCA quanto com IGP-M, as operações com uso de índices de inflação “podem endereçar a escassez de funding da poupança”. Os grandes bancos privados, porém, ainda mantêm cautela. A preocupação se refere à maior volatilidade dessa modalidade em operações que, frequentemente, são feitas com prazos de até 30 anos. Em 2015, por exemplo, o IPCA alcançou 10,67% ante 2,01% da TR.
“No curto prazo, não lançaremos o IPCA por uma questão de estratégia”, afirma Cristiane, diretora do Itaú. “No atual patamar de taxas temos condição de atender o cliente de forma competitiva no indexador atual [TR].” Duailibi, do Santander, também descarta a possibilidade de lançar no curto prazo. “Estamos observando” para ver como o mercado reage, afirma.