Os juros do crédito imobiliário caminham a passos largos para cair ao menor nível da história no Brasil, o que pode ocorrer já no próximo ano, segundo executivos do setor. A expectativa é criada diante da expectativa de novos cortes da taxa básica da economia e da maior concorrência entre os grandes bancos, acirrada pela retomada dos financiamentos da Caixa Econômica Federal neste ano.
O juro médio dos empréstimos para compra da casa própria ficou em 7,73% ao ano em junho, conforme dados do Banco Central (BC) que consideram financiamentos para pessoas físicas com recursos direcionados. Este nível já beira o piso visto em fevereiro de 2013, quando estava em 7,69%. Naquela época, porém, a Selic havia sido cortada para 7,25% ao ano em um movimento considerado "artificial" - tanto que o juro baixo não durou muito tempo e a taxa voltou a subir nos meses seguintes.
Agora, o cenário é outro. Bancos e construtoras acreditam que um novo piso histórico nos juros do crédito imobiliário deverá acontecer naturalmente, graças ao ajuste fiscal em curso, à inflação baixa e à tendência de novos cortes na Selic. O mercado financeiro prevê que a taxa básica saia dos atuais 6% para 5% ao ano no fim de 2019, enquanto os mais otimistas falam em até 4,75%.
"Não há nada que sinalize que não chegaremos à mesma situação vista anos atrás", afirmou o economista-chefe do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Celso Petrucci, referindo-se ao piso de juros registrado no período de bonança do mercado imobiliário. "Se o Banco Central confirmar a expectativa atual de baixar ainda mais a Selic, é natural que haja uma adequação das taxas de juros do financiamento", avaliou.
Concorrência - Além do fator macroeconômico, a concorrência entre os bancos também favorece o cenário. A carteira imobiliária é muito disputada, pois permite às instituições reter clientes por um período de até 35 anos. E a concorrência ficou maior uma vez que a Caixa, que tem dois terços de participação no setor, acelerou os empréstimos em 2019 após pisar no freio em 2018. Em junho, ela anunciou a redução de suas taxas para clientes com relacionamento de 8,75% para 8,50% (mais taxa referencial) ao ano.
Como resposta, uma das principais ofensivas veio do Santander Brasil, que, em julho, anunciou uma campanha de 60 dias com juros reduzidos de 8,99% para 7,99%. O banco ainda se aliou ao Magazine Luiza para incluir uma geladeira de brinde aos clientes. "Estamos rumo a uma carteira de crédito imobiliário de R$ 40 bilhões na pessoa física", disse à imprensa o presidente do Santander, Sergio Rial.
A diretora de crédito imobiliário do Itaú Unibanco, Cristina Magalhães, contou que, há cerca de dois meses, não acreditava que o mercado reduziria mais os juros, uma vez que esse custo já havia sido reduzido, mas mudou de opinião depois de ver as ofensivas dos concorrentes. "Estávamos no ponto ótimo. Há um ano, os juros eram de cerca de 11% ao ano", recordou. Para o curto prazo, Cristina disse que o Itaú não tem engatilhado um corte generalizado nas taxas, mas será competitivo para reter clientes. Segundo ela, é importante oferecer aos consumidores um bom custo efetivo total, que é o resultado das taxas de juros mais seguro, tarifas e outros itens.
O Bradesco, vice-líder em financiamentos imobiliários, também pretende adotar no curto prazo uma postura semelhante à do Itaú. Ou seja: não reduzirá juros de forma ampla, mas está disposto a negociar. "Estamos abertos a discutir e negociar com os clientes qualquer taxa, inclusive tão baixas ou até menores que as da Caixa se for o caso", disse recentemente o presidente, Octavio de Lazari Jr. "Mas seria uma avaliação caso a caso", ponderou.
Próximos passos - O presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Gilberto Duarte, avaliou que novos cortes nas taxas dependem de uma demanda maior por parte dos consumidores. "Os bancos estão com apetite. Tem muita competição. Está faltando o consumidor ficar um pouco mais valente para demandar o crédito", observou. "Apesar de a economia estar começando a dar sinais de crescimento, ainda temos desemprego alto e ainda não estamos vendo a retomada da renda individual e essa é uma variável que toma um pouco mais de tempo".
Para o analista de mercado imobiliário do BTG Pactual, Gustavo Cambauva, os bancos não estão tão dispostos a tomar risco quanto no passado. "O próximo passo depende do comportamento da economia como um todo. Não acho que os juros chegarão ao piso recorde esse ano, mas em 2020 é possível", previu.
Se a trajetória se confirmar, as vendas de imóveis poderão deslanchar de vez, deixando no passado o gosto amargo dos distratos e dos estoques encalhados.
O setor estima que a redução de cada ponto porcentual nos juros representa desconto de 7% a 8% na parcela, o que significa que o financiamento passa a caber no bolso de mais consumidores. "Em São Paulo, são vendidas de 25 mil a 30 mil imóveis novos por ano. Dentro de alguns anos, esse patamar poderia subir para 40 mil", estimou Cambauva.
O copresidente da MRV Engenharia, Rafael Menin, acredita que o mercado nacional pode até dobrar de tamanho na próxima década caso haja uma redução dos juros do financiamento associada ao crescimento duradouro do Produto Interno Bruto (PIB) e à estabilidade política. "O mercado pode sair do patamar de produção de 600 mil imóveis por ano para mais de um milhão por ano em uma década", calculou Menin. A construtora já vem ampliando os negócios e espera atingir o marco de 50 mil unidades lançadas neste ano.
Enquanto os juros rondam o piso histórico, a liberação de crédito no primeiro semestre reforçou o otimismo do setor. Os financiamentos somaram R$ 33,7 bilhões no primeiro semestre de 2019, alta de 33,3% frente ao mesmo período de 2019. Diante da expansão robusta, a Abecip elevou sua projeção de empréstimo no acumulado do ano de 7% para 13% no ano, o que deve totalizar agora R$ 132 bilhões. "Acho que estamos voltando para um momento de aquecimento do mercado", observou o presidente da entidade, ponderando que o setor está longe, porém, de viver uma "euforia".