Risco da inflação limita oferta de crédito imobiliário pelo IPCA; opção será boa em casos específicos
Nova opção para bancos e compradores - O importante, afirma, é que há uma nova opção para o comprador, para o banco e para os investidores, o que dá mais flexibilidade e cria alternativas além da TR e dos recursos da poupança para o mercado. Essa é a grande vantagem da correção pelo IPCA, permitir que bancos e outras empresas lancem papéis corrigidos pelo indexador e levantem recursos no mercado para financiar a casa própria sem depender da poupança, destaca Abreu. Hoje, os recursos são limitados, pois o SFH só pode usar recursos das cadernetas, o que restringe o crédito aos grandes bancos de varejo. “Mas não vai ser um cavalo de pau, não vão todos os bancos puxar o cliente para o IPCA antes de ter segurança de um cenário econômico mais estável, com inflação sob controle”, diz.
FCVS e rombo de R$ 93 bilhões - O resultado foi o fim do Banco Nacional da Habitação (BNH) e a explosão do Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS), que surgiu em 1967 para compensar os bancos pelo descasamento entre a correção das prestações e o salário dos mutuários. O FCVS deveria cobrir o saldo devedor que faltasse no fim dos contratos, que deveria ser um valor pequeno. Mas, com o descasamento entre a prestação e o saldo devedor, o resultado foi um rombo nas contas dos bancos, transferido para o FCVS e, depois, para o Tesouro Nacional, da ordem de US$ 23,4 bilhões, ou cerca de R$ 93 bilhões.
TR foi criada para desindexar a caderneta - A TR foi criada justamente no Plano Collor 2 para desvincular a poupança e o crédito imobiliário da inflação passada, numa tentativa de desindexar a economia e evitar que a correção monetária antiga contaminasse os preços depois dos congelamentos. A TR tem como base a média dos juros dos títulos que os bancos vendem a seus investidores, os CDBs, menos um redutor equivalente aos juros reais. O que sobraria seria, portanto, a projeção de inflação do mercado, e não a inflação passada. A TR apontaria, assim, a inflação adiante, depois do plano econômico, e não mais a inflação já ocorrida e mais alta.
IPCA de 10% em 2015 - Nos últimos 20 anos, lembra a S&P, o IPCA teve uma volatilidade muito maior do que a TR estabelecida pelo Banco Central. Embora a inflação no Brasil tenha permanecido abaixo da meta estabelecida pelo BC nos últimos três anos, o índice nem sempre se comportou como esperado, como em 2015, quando ultrapassou 10%, lembra a agência. “É difícil de prever como a inflação se comportará ao longo da vigência de um financiamento imobiliário residencial, de 20, 30 anos, especialmente em um país com uma dinâmica política fluida como o Brasil”, alerta a S&P.
Benefícios superam riscos - Abreu, da Abecip, reconhece todos esses riscos, mas ainda assim considera a liberação do IPCA como benéfica. Ele lembra que um dos grandes dilemas do mercado é que o SFH, linha mais popular, depende basicamente de duas fontes de recursos, a poupança e o FGTS. As Letras de Crédito Imobiliário (LCI), emitidas pelos bancos e as Letras Imobiliárias Garantidas (LIG) já têm características de mercado, com correção pela inflação mais juros ou pelo juro do CDI, mas são usadas em empréstimos fora do SFH, que já permitiam outras formas de correção. “O grande dilema é como acessar fontes de recursos para financiar o mercado, pois se ficarmos dependendo só do FGTS e poupança, que são limitados, fatalmente vamos ter escassez de recursos, especialmente em um ambiente de juros mais baixos, com possibilidade viável de financiar mais clientes”, diz.
Com o IPCA, o mercado vai funcionar como todos os outros do mundo, com taxas de mercado, observa Abreu. “Hoje, com a TR, definida pelo BC, há embutido no SFH um hedge, uma proteção”, diz. Mas, no mundo inteiro, os financiamentos são indexados ao juro de mercado, como a Libor, que é uma taxa flutuante, e mais alguma taxa adicional.
Preço dos imóveis perde para a inflação - E o cliente sabe a regra do jogo, que os juros, o nível de gastos do governo, o déficit público, a inflação, tudo isso de alguma maneira vai impactar o custo da hipoteca. “Mas, em um pais com tradição de descontrole e inflação alta, o próprio banco pode ter medo”, afirma Abreu. O grande risco é uma subida da inflação, um descolamento que aumente a dívida, enquanto o valor do bem não acompanha essa alta. “É o caso do mercado atual, o valor nominal dos imóveis está constante há cinco anos e a inflação acumulada é de 25%”, estima. “O risco é esse, a dívida andar, o preço do imóvel não anda, o devedor não consegue honrar a parcela e não quita a dívida e problema fica com o banco”, explica.
Financiado passa a ser fiscal das contas públicas - A indexação também deve criar, a médio e longo prazo, uma cultura de disciplina diferente, acredita Abreu. “Criaremos um mercado de pessoas com financiamento indexado à inflação que passam a ser zeladoras do nosso gasto público”, afirma. “Qualquer descontrole do governo, o primeiro lugar que vai bater é no bolso do eleitor, e isso pode criar uma disciplina de a sociedade fiscalizar o governo e exigir mudanças não só na eleição, mas antes, pois a conta chega antes, o mercado se antecipa se percebe que o governo está indo mal e o juro sobe”, diz.
Muita calma com o IPCA - A substituição da TR pelo IPCA, portando, será gradual, acredita o presidente da Abecip. “Um dia isso deveria acontecer, só não se deve ter pressa, pois a TR ainda tem papel interessante, principalmente enquanto não se mexer com a correção da poupança”, explica. Mas, à medida que o país for dando passos para a estabilidade macroeconômica, todas as coisas criadas nos anos 1980 e 1990, artifícios para combater a inflação alta, para criar bolsões de dinheiro barato em uma economia desorganizada, como a TR, tendem a desaparecer.
Vantagens para o crédito com IPCA - Simulação do site Melhortaxa indica também vantagem para o crédito com IPCA. Considerando um empréstimo de R$ 500 mil por 10 anos e um devedor de 35 anos, usando a TR mais juros de 8,5%, a prestação, já incluindo seguro e tarifas, seria de R$ 4.971,51. O mesmo valor no mesmo prazo, com correção pelo IPCA mais juros de 2,95% ao ano, resultaria em uma parcela de R$ 4.061,64, considerando uma inflação de 3,22% ao ano. Se o juro for de 3,95%, a prestação subiria para R$ 4.454,36 e, com 4,95%, a mensalidade com IPCA seria de R$ 4,843,74, ainda assim abaixo do valor pela TR. Mas tudo isso com uma inflação estável, que é hoje uma das mais baixas da história.
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